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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Análise do filme “Lavoura arcaica”


Mariana Rodrigues Ferreira - 2007


            Para a realização do filme existe uma proposta baseada na vivência por parte dos atores dos sentimentos presentes em seu personagem. Essa proposta encontra suporte na idéia de que dessa forma as cenas ganham um tom de maior realidade.
Fez-se necessário, do ponto de vista do diretor, que a fazenda em que foi feita a gravação fosse reconstruída com o máximo de fidelidade à proposta do filme, de modo que até alguns recursos “tecnológicos” foram dispensados, correndo o risco da construção tomar um ar embrutecido ou de medidas desproporcionais (exemplo da questão de lascar ou não as pedras muito grandes ou desproporcionais para a construção do muro da casa). Tal decisão deveu-se também à necessidade de tornar o filme o mais real possível, inclusive para os atores que estavam vivendo neste lugar que não era apenas um cenário. Para que os artistas sentissem realmente como era viver em um lugar como o proposto pelo filme, tiveram que morar na fazenda durante as gravações, realizando todas as atividades existentes em uma fazenda comum, como capinar, tirar e beber o leite da vaca, pegar os ovos postos pelas galinhas, ... , o que proporcionou-lhes maior facilidade em viver o personagem. Tudo foi realizado para facilitar o surgimento dos sentimentos verdadeiros dos atores, o que torna-se indispensável para o tom de realidade do filme.
 O diretor do filme demonstra querer a todo momento que os atores vivam realmente a cena e os sentimentos presentes na mesma, como fica claro na fala de Selton Melo quando diz que durante uma cena que estava gravando, por diversas vezes o diretor o fez reiniciar a sua atuação, pois que ele a estava representando e não vivendo aquele momento.
No documentário, diversos atores relataram terem vivido uma experiência única, na qual puderam conhecer melhor a si mesmos, descobrir sentimentos que vieram à tona com esse novo trabalho. Raul Cortez declarou que teve de trabalhar em um processo de reconciliação com a sua função paterna, pois não teve em sua vida o exemplo de pai amoroso que exigia o seu papel. Com isso, pôde ter um novo contato com sentimentos que talvez estivessem reprimidos e com os quais não pretendia “mecher” novamente.
Contrapondo a proposta apresentada pelo filme à pratica da psicanálise, podemos observar muitas semelhanças. Assim como o diretor do filme, o psicanalista busca fazer com que o paciente viva os seus sentimentos, busca a realidade como é para o paciente, pura, sem disfarces ou representações.
Da mesma forma em que o analisando torna-se um personagem de sua própria história, o analista também o é, posto que não pode sair deste enredo sem sofrer transformações, sem ser tocado de alguma maneira. É enganosa a idéia de que o analista pode ser completamente imparcial em uma análise. Ele não é imparcial e muitas vezes é fortemente tocado pelos relatos do analisando, pois defronta-se com os seus sentimentos, alguns inclusive secretos e causadores de sofrimento.
Em determinado momento do documentário, alguém citou um poema que fala da impossibilidade de conhecermos um objeto realmente como o é por dentro. Podemos conhecê-lo apenas superficialmente. Essa pessoa comparou esse poema à proposta do filme, pois as filmagens eram direcionadas para que houvesse algum mistério e que em certo momento surgisse uma dúvida em relação ao que realmente está acontecendo na cena.
Posso comparar essa fala às idéias psicanalíticas, pois por mais que conheçamos muito sobre alguém, seja esse alguém o nosso paciente ou até nós mesmos, haverá sempre um ponto desconhecido e que não há como ser descoberto. Podemos contorná-lo, mas descobri-lo torna-se impossível. Além do mais trabalhando com a questão da dúvida sobre o que é real ou não na cena, o filme trabalha com a noção do que é real para mim e o que é real para o outro. Trabalha, da mesma forma que a psicanálise, com a questão da olhada, do ponto de vista sobre as coisas, a descoberta do desconhecido, o que é ou não uma verdade. Como vemos as verdades das coisas?

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