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sábado, 24 de novembro de 2012

Assujeitamento e sistema penal


  1. Introdução 
O presente trabalho, intitulado “Assujeitamento e sistema penal”, tem por objetivo investigar as relações sociais de poder e assujeitamento, tomando como paradigma os principais autores que colaboram para esta temática, tais como: Michel Foucault, Gilles Deleuze, Joel Birman, Erving Goffman e Sigmund Freud.
O interesse pelo tema justifica-se a partir de abril de 2009, quando iniciei um estágio no Centro de Tratamento em Dependência Química Roberto Medeiros, ligado à Secretaria de Administração Penitenciária, o qual gerou em mim um interesse maior pelo estudo social das relações de poder.
Na construção desse trabalho, faremos então um breve passeio por Foucault, quando nos trás um histórico da passagem das práticas de repressão através do corpo para as praticas privativas de liberdade seguido por Goffman, que trabalha os tipos de instituições totais e as contribuições destas para o processo de mortificação do eu.
Após análise dos mecanismos físicos e institucionais de utilização do poder, buscaremos a análise de um poder exercido de forma mais discreta, e que se mantém presente em nosso dia-a-dia. Esse novo tipo de poder será analisado ainda a partir do trabalho de Goffman, mas também contará com a contribuição de Deleuze e Birman. Pretendo então identificá-lo quando surge em minhas práticas de estágio.
Contaremos com o auxílio de Freud, no que diz respeito às conseqüências subjetivas do mal-estar nas relações sociais. E, em uma junção do trabalho dos autores escolhidos, buscaremos o desenvolvimento de uma relação baseada na libertação, a partir da certeza de que o sujeito encontra-se presente, buscando a efetividade de seus desejos e o fim da servidão. Os autores escolhidos ajudarão na elaboração de um pensamento crítico a respeito das relações de poder impostas em nossa sociedade, bem como na formulação de práticas libertadoras para o indivíduo.

  1. Centro de Tratamento em Dependência Química Roberto Medeiros
Em abril de 2009, iniciei um estágio no Centro de Tratamento em Dependência Química Roberto Medeiros, ligado à Secretaria de Administração Penitenciária. Durante o período de realização do estágio, tenho pensado muito nas relações de poder citadas por Foucault e no controle do corpo, que não se dá mais em praça pública, porém longe dos olhos da sociedade.
Passei a pensar então em uma morte para além do corpo, uma morte que envolve a não aceitação do indivíduo em sua sociedade, uma mortificação do eu conforme citação de Goffman em “Manicômios, prisões e conventos”. Esse indivíduo, preso em uma instituição de confinamento, encontra-se morto diante de sua sociedade.
Goffman afirma ainda, que a primeira mutilação do eu nas instituições totais é com certeza as barreiras entre o internado e o mundo externo, o que acarreta uma perda de papel.
Em minha experiência de estágio, posso perceber como esse assujeitamento é naturalizado tanto pelos internos, quanto pela equipe técnica. Não só aqueles que estão na condição de internados, mas também os profissionais que lá atuam, têm de se sujeitar a um poder superior. E o poder maior nesse sistema presentifica-se na figura do judiciário.
As possibilidades de uma prática libertadora em instituições penais por enquanto é mínima, e torna-se menor ainda porque a sociedade atual não está acostumada com a liberdade, apesar de se dizer constantemente que o ser humano é livre e tem o direito de escolha sobre a própria vida e o seu ir e vir.
Fiquei deslumbrada a partir da leitura de Birman, em arquivos do mal-estar e da resistência, ao nos trazer a possibilidade de uma resistência, um “contra poder”, como o conceito criado por Foucault. No referido livro, o autor busca uma “abertura de novos horizontes para o futuro”. O sujeito da resistência seria aquele que coloca em questão o seu desejo.
Desde que iniciei meu estágio, tive firme a intenção de promover de alguma forma, práticas que permitissem certa libertação para aquelas pessoas que têm limitadas suas possibilidades de escolha. No entanto, me deparei com uma contradição entre as minhas intenções iniciais e o que realmente estava transmitindo aos internos.
Iniciei um grupo de teatro, no qual a proposta era trabalhar suas questões diárias, o que os levou até a instituição, e os planos futuros. Montaram em conjunto uma história na qual todos se identificaram. Organizei então em falas, e os apresentei os personagens, para que cada um escolhesse o que mais se identificava. Dois, no entanto, quiseram o personagem principal. Diante desse impasse, sugeri um sorteio, porém um deles desistiu desse papel, dizendo que faria outro sem problemas.
O que percebi, no entanto, é que esse que ficara com outro papel, criticava constantemente a atuação do personagem principal. Diante desse conflito, decidi por uma atitude, que depois percebi não ser nem um pouco libertadora.
Disse para todos, que não queria que ficassem criticando o trabalho um do outro e que “se alguém tivesse que falar alguma coisa alí, esse alguém seria eu”.
Infelizmente, só pude perceber o significado da minha fala depois, ao conversar com minha supervisora. No momento, não tinha percebido o quanto estava tirando deles a possibilidade de falar. Poderia ter sim falado sobre não criticar o trabalho dos colegas, mas ter então permitido um outro momento para a avaliação do grupo quanto ao trabalho do dia.
Birman (2005), em seu livro “Mal estar na atualidade. A psicanálise e as novas formas de subjetivação” aponta uma sociedade que retira a capacidade de escolha sobre a própria vida de todo aquele que é considerado como estando fora-de-si, e o confia a alguma instituição, a qual será responsável pela sua reestruturação psíquica (autocentramento) e ressocialização. “Esta é a razão pela qual os internantes, principalmente a família, justificam a internação de alguém como louco” (Birman, 2005, p. 151). O indivíduo fora-de-si deve ser internado, pois “se encontra em um estado mental não condizente com as exigências mínimas da sociabilidade” (Birman, 2005, p. 152). Precisa se reestruturar socialmente.
Mas será então que realmente produzimos alguma reestruturação psíquica?
            Pretendo um trabalho direcionado a propiciar o questionamento do próprio desejo, possibilitando-o emergir. Conto então com Freud (1997), em “Mal-estar na civilização”, onde destaca um projeto libertário através da construção da psicanálise, possibilitando assim resistência aos impasses construídos pela modernidade, que atribui ao indivíduo problemas que na verdade são de origem social.
A partir do exposto acima, contamos ainda com o auxílio de Deleuze na construção de um processo de formação de novos sentidos e modos de existência com base na experimentação que provoca pequenas rupturas ao instituído.

3. Referências


BIRMAN, J. “O sujeito do colarinho branco, o dentro-de-si e o fora-de-si nas figurações atuais da subjetividade” Em: Mal-estar na atualidade. A psicanálise e as novas formas de subjetivação, Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2005

___________ “Arquivos do mal-estar e da resistência”; Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006

DELEUZE, G. “Post-Scriptum sobre as sociedades de controle” Em: Conversações, 1972-1990, Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992

FOUCAULT, M. “Vigiar e punir: nascimento da prisão”; tradução de Raquel Ramalhete, Petrópolis, RJ: Vozes, 2007

FREUD, S. “O mal-estar na civilização”; tradução de José Octávio de Aguiar Abreu, Rio de Janeiro: ed. Imago, 1997

GOFFMAN, E. “Manicômios, prisões e conventos”; tradução: Dante Moreira Leite, 8ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2008




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