- Introdução
O
presente trabalho, intitulado “Assujeitamento e sistema penal”, tem por
objetivo investigar as relações sociais de poder e assujeitamento, tomando como
paradigma os principais autores que colaboram para esta temática, tais como:
Michel Foucault, Gilles Deleuze, Joel Birman, Erving Goffman e Sigmund Freud.
O interesse pelo tema justifica-se a partir de abril
de 2009, quando iniciei um estágio no Centro de Tratamento em Dependência
Química Roberto Medeiros, ligado à Secretaria de Administração Penitenciária, o
qual gerou em mim um interesse maior pelo estudo social das relações de poder.
Na construção desse trabalho, faremos então um breve
passeio por Foucault, quando nos trás um histórico da passagem das práticas de
repressão através do corpo para as praticas privativas de liberdade seguido por
Goffman, que trabalha os tipos de instituições totais e as contribuições destas
para o processo de mortificação do eu.
Após análise dos mecanismos físicos e institucionais
de utilização do poder, buscaremos a análise de um poder exercido de forma mais
discreta, e que se mantém presente em nosso dia-a-dia. Esse novo tipo de poder
será analisado ainda a partir do trabalho de Goffman, mas também contará com a
contribuição de Deleuze e Birman. Pretendo então identificá-lo quando surge em
minhas práticas de estágio.
Contaremos com o auxílio de Freud, no que diz
respeito às conseqüências subjetivas do mal-estar nas relações sociais. E, em
uma junção do trabalho dos autores escolhidos, buscaremos o desenvolvimento de
uma relação baseada na libertação, a partir da certeza de que o sujeito
encontra-se presente, buscando a efetividade de seus desejos e o fim da
servidão. Os autores escolhidos ajudarão na elaboração de um pensamento crítico
a respeito das relações de poder impostas em nossa sociedade, bem como na
formulação de práticas libertadoras para o indivíduo.
- Centro de Tratamento em Dependência Química Roberto Medeiros
Em abril de 2009, iniciei um estágio no Centro de
Tratamento em Dependência Química Roberto Medeiros, ligado à Secretaria de
Administração Penitenciária. Durante o período de realização do estágio, tenho
pensado muito nas relações de poder citadas por Foucault e no controle do
corpo, que não se dá mais em praça pública, porém longe dos olhos da sociedade.
Passei a pensar então em uma morte para além do
corpo, uma morte que envolve a não aceitação do indivíduo em sua sociedade, uma
mortificação do eu conforme citação de Goffman em “Manicômios, prisões e
conventos”. Esse indivíduo, preso em uma instituição de confinamento,
encontra-se morto diante de sua sociedade.
Goffman afirma ainda, que a primeira mutilação do eu
nas instituições totais é com certeza as barreiras entre o internado e o mundo
externo, o que acarreta uma perda de papel.
Em minha experiência de estágio, posso perceber como
esse assujeitamento é naturalizado tanto pelos internos, quanto pela equipe
técnica. Não só aqueles que estão na condição de internados, mas também os
profissionais que lá atuam, têm de se sujeitar a um poder superior. E o poder
maior nesse sistema presentifica-se na figura do judiciário.
As possibilidades de uma prática libertadora em
instituições penais por enquanto é mínima, e torna-se menor ainda porque a
sociedade atual não está acostumada com a liberdade, apesar de se dizer
constantemente que o ser humano é livre e tem o direito de escolha sobre a
própria vida e o seu ir e vir.
Fiquei deslumbrada a partir da leitura de Birman, em
arquivos do mal-estar e da resistência, ao nos trazer a possibilidade de uma
resistência, um “contra poder”, como o conceito criado por Foucault. No
referido livro, o autor busca uma “abertura de novos horizontes para o futuro”.
O sujeito da resistência seria aquele que coloca em questão o seu desejo.
Desde que iniciei meu estágio, tive firme a intenção
de promover de alguma forma, práticas que permitissem certa libertação para
aquelas pessoas que têm limitadas suas possibilidades de escolha. No entanto,
me deparei com uma contradição entre as minhas intenções iniciais e o que
realmente estava transmitindo aos internos.
Iniciei um grupo de teatro, no qual a proposta era
trabalhar suas questões diárias, o que os levou até a instituição, e os planos
futuros. Montaram em conjunto uma história na qual todos se identificaram.
Organizei então em falas, e os apresentei os personagens, para que cada um
escolhesse o que mais se identificava. Dois, no entanto, quiseram o personagem
principal. Diante desse impasse, sugeri um sorteio, porém um deles desistiu
desse papel, dizendo que faria outro sem problemas.
O que percebi, no entanto, é que esse que ficara com
outro papel, criticava constantemente a atuação do personagem principal. Diante
desse conflito, decidi por uma atitude, que depois percebi não ser nem um pouco
libertadora.
Disse para todos, que não queria que ficassem
criticando o trabalho um do outro e que “se alguém tivesse que falar alguma
coisa alí, esse alguém seria eu”.
Infelizmente, só pude perceber o significado da
minha fala depois, ao conversar com minha supervisora. No momento, não tinha
percebido o quanto estava tirando deles a possibilidade de falar. Poderia ter
sim falado sobre não criticar o trabalho dos colegas, mas ter então permitido
um outro momento para a avaliação do grupo quanto ao trabalho do dia.
Birman (2005),
em seu livro “Mal estar na atualidade. A psicanálise e as novas formas de
subjetivação” aponta uma sociedade que retira a capacidade de escolha sobre a
própria vida de todo aquele que é considerado como estando fora-de-si, e o confia
a alguma instituição, a qual será responsável pela sua reestruturação psíquica
(autocentramento) e ressocialização. “Esta é a razão pela qual os internantes,
principalmente a família, justificam a internação de alguém como louco”
(Birman, 2005, p. 151). O indivíduo fora-de-si deve ser internado, pois “se
encontra em um estado mental não condizente com as exigências mínimas da
sociabilidade” (Birman, 2005, p. 152). Precisa se reestruturar socialmente.
Mas
será então que realmente produzimos alguma reestruturação psíquica?
Pretendo um trabalho direcionado a propiciar
o questionamento do próprio desejo, possibilitando-o emergir. Conto então com Freud
(1997), em “Mal-estar na civilização”, onde destaca um projeto libertário
através da construção da psicanálise, possibilitando assim resistência aos
impasses construídos pela modernidade, que atribui ao indivíduo problemas que
na verdade são de origem social.
A
partir do exposto acima, contamos ainda com o auxílio de Deleuze na construção
de um processo de formação de novos sentidos e modos de existência com base na
experimentação que provoca pequenas rupturas ao instituído.
3.
Referências
BIRMAN,
J. “O
sujeito do colarinho branco, o dentro-de-si e o fora-de-si nas figurações
atuais da subjetividade” Em: Mal-estar na atualidade. A psicanálise e
as novas formas de subjetivação, Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2005
___________
“Arquivos
do mal-estar e da resistência”; Rio de Janeiro: Civilização brasileira,
2006
DELEUZE, G. “Post-Scriptum
sobre as sociedades de controle” Em: Conversações, 1972-1990, Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1992
FOUCAULT, M. “Vigiar
e punir: nascimento da prisão”; tradução de Raquel Ramalhete,
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007
FREUD, S. “O mal-estar na civilização”; tradução
de José Octávio de Aguiar Abreu, Rio de Janeiro: ed. Imago, 1997
GOFFMAN, E. “Manicômios,
prisões e conventos”; tradução: Dante Moreira Leite, 8ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 2008
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