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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

As sociedades de controle


Mariana Rodrigues Ferreira - 2010

Gilles Deleuze (1992), utiliza-se de um conceito trazido por Burroughs, e reflete sobre a substituição das sociedades disciplinares pelas chamadas “sociedades de controle”. Esclarece contudo, que essa substituição se dará gradativamente, de forma que os muros institucionais já não serão mais necessários ao exercício do poder. Este agora poderá apresentar-se ao ar livre. A vigilância ocorre de modo mais sutil, porém, ainda sim, incide sobre os corpos, e mais ainda sobre a mente. Nas sociedades de controle, o exercício do poder aparece em todos os lugares, como empresas, prisões, escolas, hospitais, e até mesmo nas ruas.

Estamos no início do século XXI, atravessando grandes transformações socioculturais produzidas pelo impacto do desenvolvimento tecnológico e da informática no cotidiano. Novas formas de relacionamento, de produção, de consumo, de produção de subjetividade se manifestam. As técnicas de vigilância, de punição, de controle social, de produção de sujeitos também estão se sofisticando a partir do suporte da tecnologia de ponta (BENELLI, 2004, p. 238)

            Deleuze (1992), ao referir-se às sociedades de controle não se refere à extinção completa das instituições, mas a uma transformação quanto à finalidade destas. Nesse sentido, afirma que:

O que conta é que estamos no início de alguma coisa. No regime das prisões: a busca de penas “substitutivas”, ao menos para a pequena delinqüência, e a utilização de coleiras eletrônicas que obrigam o condenado a ficar em casa em certas horas. No regime das escolas: as formas de controle contínuo, avaliação contínua, e a ação da formação permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da “empresa” em todos os níveis de escolaridade (...) São exemplos frágeis, mas que permitiriam compreender melhor o que se entende por crise das instituições, isto é, a implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação (DELEUZE, 1992, p. 225)

Embora tenha se livrado dos antigos dispositivos da disciplina, o homem passa então a enfrentar restrições não mais externas, porém fatores internos que dificultam o exercício da liberdade. “O homem moderno se encontra em uma situação em que muito do que “ele” pensa e diz são as coisas que todos os demais pensam e dizem; que ele não adquiriu a capacidade de pensar originalmente” (FROMM,1974, p. 91).
O marketing passa a atuar como forma eficaz de controle social. O homem deixa de estar confinado para tornar-se endividado. Em Mal-estar na civilização (1997), Freud observa que somos, em grande parte, guiados pelos padrões da maioria social, padrões esses considerados falsos pelo autor.

É impossível fugir à impressão de que as pessoas comumente empregam falsos padrões de avaliação – isto é, de que buscam poder, sucesso e riqueza para elas mesmas e os admiram nos outros, subestimando tudo aquilo que verdadeiramente tem valor na vida. (FREUD, 1997, p. 09).

Ora, somos seres diferentes uns dos outros, com comportamentos e desejos diversos, no entanto, busca-se constantemente um padrão definido como normal. Com isso, o homem deixou de reivindicar a sua felicidade. Freud revela, contudo, que a liberdade humana fora maior antes da construção da civilização, e que agora já não é uma característica desta. A civilização impõe restrições à liberdade, e a justiça faz com que se cumpram tais restrições. É através da renúncia pulsional, que iniciamos na sociedade civilizada. Em sua leitura de Freud, Zigmunt Bauman, sociólogo polonês, esclarece:

Os prazeres da vida civilizada, e Freud insiste nisso, vêm num pacote fechado com os sofrimentos, a satisfação com o mal-estar, a submissão com a rebelião. A civilização – a ordem imposta a uma humanidade naturalmente desordenada – é um compromisso, uma troca continuamente reclamada e para sempre instigada a se renegociar. O princípio de prazer está aí reduzido à medida do princípio de realidade e as normas compreendem essa realidade que é a medida do realista (BAUMAN,1998, p. 8).

            A necessidade de representarmos uma boa imagem o tempo todo, já não seria em si uma forma de controle social? Cada vez mais temos que tentar nos adequar às situações do dia-a-dia e buscar transmitir uma boa imagem ao outro. Devemos buscar a adequação constantemente, com o risco de perdermos a condição social desejada ou já conquistada.
Goffman, em “A representação do eu na vida cotidiana”, propõe que representamos papéis conforme a situação a qual nos encontramos, buscando sempre ser vistos conforme as máscaras usadas no momento.
Estas seriam talvez as “modulações” sugeridas por Deleuze (1992), em “Conversações” para caracterizar um “estado de perpétua metaestabilidade, que passa por desafios, concursos e colóquios extremamente cômicos” (Deleuze, 1992, p. 221). Já não somos controlados externamente, mas internamente, pelo desejo de conquistas cada vez maiores. Passamos a nunca estar satisfeitos, e nos cobramos uma produção cada vez maior.
De acordo com Goffman (2009), essa representação torna-se necessária à vida de todo ser humano, posto que através de nossas atitudes podemos conquistar uma posição melhor ou descer na escala da pirâmide social. Ocorre então que a adequação de nossos comportamentos às expectativas de nossa sociedade auxilia no crescimento social ou na manutenção de uma posição já existente.
Goffman, ao dedicar-se ao estudo das atitudes humanas presentes no momento do encontro social, passa a avaliar a vida cotidiana como estando cercada pela moral e pela discriminação. Percebe, no entanto, que muitas vezes as pessoas perdem tanto tempo tentando representar, mostrar-se de determinada forma vista como ideal, que acabam deixando de lado os seus desejos pessoais.
            Se nas sociedades disciplinares os indivíduos eram tolhidos de sua escolha, nas sociedades de controle, em determinados momentos se quer tem-se a consciência dessa possibilidade.

COMO O PSICÓLOGO SE INSERE NESSA HISTÓRIA?

Com o auxílio de Batista (2003) podemos observar claramente a medicalização dos sintomas que na verdade são de origem social.

O aparato assistencial atende massivamente sem permitir aos pacientes o direito à sua singularidade. O objetivo dos medicamentos é regular as síndromes e sintomas, constituindo-se, então, em estratégias de controle social (BATISTA, 2003, p. 89)

Batista (2003) cita Birman, e como este, acredita que,

O uso privilegiado do medicamento não é ingênuo, ele visa a anulação e o silêncio da história de uma existência e, conseqüentemente, a eliminação da singularidade do sujeito, reduzido à funcionalidade orgânica. Funcionalidade que se transforma em marca indelével da psicopatologia da modernidade (BATISTA, 2003, p. 89).

A clínica psicológica, no entanto, tem a finalidade de favorecer a abertura de novas possibilidades de escolhas ao indivíduo, e é desta forma que pretendemos o nosso trabalho. Ainda com a mesma autora acima, temos que, “no processo analítico, o reconhecimento do desejo é que cria a responsabilidade pelo seu destino” (idem, 2003, p.91) 

Acreditamos na possibilidade de não somente agir e reagir, como de buscar caminhos diferenciados. Tanto podem ser instituídos padrões dominantes, desde o organizado / estabelecido, como formas de singularização que irrompam e inaugurem novos modos de vida e ação. Em oposição às subjetividades que uniformizam e assujeitam, sabemos que o desejo pode ser revolucionário. Nesse sentido, nossa questão não é se o desejo é o desejo da falta, mas o que devemos ao desejo, o que implica (RODRIGUES, 1998, p. 72).

A atuação do psicólogo deve incluir então “processos de mobilização, constituição de identidade, luta contra a opressão, acesso aos meios de sobrevivência, de informação, de saúde e de educação” (BONFIM, 1994, p. 261). Para tal,

É necessário ter uma dimensão do movimento histórico e do meio sociocultural em que o sujeito está inserido e buscar delinear as forças de influências mútuas existentes nesta inter-relação (...) É desejável que as relações não sejam dominadoras e sim igualitárias, de tal forma que se estabeleçam vínculos propícios às transformações (...) Se as relações “forem libertadoras, igualitárias, deixamos libertação; se forem dominadoras – de cima, de quem fala sozinho e sabe tudo – deixamos opressão e dominação” (BONFIM, 1994, p. 257).

Diante das situações de controle social, o código de ética pontua claramente,

O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código (XIII Plenário do Conselho Federal de Psicologia, 2005, p. 07).

A ética do psicólogo diz respeito à consciência que este deve ter quanto aos direitos e deveres que tem enquanto cidadão, à reflexão constante no que diz respeito à responsabilidade que tem perante suas práticas e as conseqüências destas para a sociedade. Ainda de acordo com o código de ética do psicólogo, no que tange os princípios fundamentais,

O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos (XIII Plenário do Conselho Federal de Psicologia, 2005, p. 07).

Assim como Maciel Júnior, buscamos promover “escolhas implicadas em um pensamento que cria a diferença, que inventa sobretudo modos inéditos de existir, resistindo aos impasses subjetivos produzidos socialmente” (MACIEL JÚNIOR, A., 2005, p. 51).  

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